Por que o coaching não é tratamento para traumas psicológicos, como em ‘O Outro Lado do Paraíso’
Uma cena patrocinada exibida na novela O Outro Lado do Paraíso tem provocado discussões sobre o real objetivo de um processo de coaching.
Na trama de Walcyr Carrasco, a personagem Laura (Bella Piero) não consegue se sentir confortável em momentos de intimidade com o seu marido, o médico Rafael (Igor Angelkorte), e quer descobrir se alguma experiência traumática afeta sua vida sexual com o companheiro. Ao longo da trama, ela revela que foi abusada sexualmente por seu padrasto Vinícius (Flávio Tolezani) quando era criança.
Diante da situação, Laura é aconselhada a buscar um profissional de coach e hipnose para tentar superar o problema. Mas você sabe qual é o objetivo de um acompanhamento de coaching? Ou em quais situações ele pode ser efetivo?
Quando um processo de coaching pode ser efetivo?
O diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), Marcus Marques, explica que o processo é aconselhado para pessoas que tenham um objetivo concreto, como emagrecer ou ser promovido, e querem uma ajuda para colocar em prática um plano de ação até atingir suas metas.
“O coaching é processo que ajuda as pessoas a saírem de um ponto A e chegar em um ponto B. É sempre um acordo de uma meta e de um processo. O coach não precisa ser especialista no tema do cliente. A principal ferramenta do coach são as perguntas que vão ajudar o cliente a refletir e chegar às suas conclusões. Não é algo diretivo, como faça isso ou aquilo. Mas por meio de perguntas o cliente vai se percebendo, se conhecendo e estabelecendo ações para conquistar suas metas”, argumenta Marques, em entrevista ao HuffPost Brasil.
O diretor diz que o processo de coaching é indicado para qualquer pessoa que esteja saudável psicologicamente e tem objetivos palpáveis a serem alcançados.
De acordo com o IBC, entre 2016 e 2017 cresceu em 60% a procura pelos cursos de formação em coaching. Em contrapartida, as empresas aumentaram em 150% os contratos com profissionais que auxiliam líderes e executivos na tomada de decisões.
“É uma profissão jovem mas que está crescendo muito em mercado. Por essa contemporaneidade, ainda tem muita confusão e questionamento em relação à prática”, defende Marques.
Para se tornar um coach profissional, basta buscar uma qualificação reconhecida pela Confederação Internacional de Coach (IFC). Profissionais de qualquer área podem se candidatar à formação desde que preencham pré-requisitos como ter empatia, disponibilidade para escuta e desejo em colaborar com o desenvolvimento e crescimento do outro, explica Marques.
A crítica do Conselho Federal de Psicologia à novela
Após a exibição da cena no último dia 1º na novela da Globo, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou uma nota condenando o folhetim. Segundo o CFP, a trama tratou “com simplismo e interesses mercadológicos um tema grave como o sofrimento psíquico de personagem cuja origem é o abuso sexual sofrido na infância”.
Na cena, Laura conversa com sua amiga Clara (Bianca Bin), e esta a aconselha a procurar a profissional Adriana (Julia Dalavia), que diz ser capaz de acessar memórias antigas por meio de técnicas de hipnose e coach.
A cena foi uma propaganda paga pelo Instituto Brasileiro de Coaching em parceria com a produção de O Outro Lado do Paraíso. O instituto não quis revelar o valor investido no merchandising.
Em nota, o IBC afirma que o processo de coaching é diferente de terapia e que “um coach não está habilitado para aplicar técnicas terapêuticas ou lidar com transtornos, distúrbios e traumas”.
Sobre o uso da hipnose em tratamentos, há uma regulamentação do Conselho Federal de Psicologia que restringe a prática apenas a profissionais certificados.
“Art. 2º – O psicólogo poderá recorrer a Hipnose, dentro do seu campo de atuação, desde que possa comprovar capacitação adequada, de acordo com o disposto na alínea ‘a’ do artigo 1º do Código de Ética Profissional do Psicólogo”.
Para Marcus Marques, houve uma má condução da cena por parte da novela, o que abriu brecha para a discussão sobre o coaching.
“A personagem não é uma coach profissional. Espero que no desenvolver da trama fique estabelecido que o coach não é indicado para traumas como esse e que ela recorra para a terapia”, explica.
A ficção do trauma versus a realidade do coaching
Diante da repercussão da cena, a Globo argumentou que a novela não passa de uma obra de ficção e que não tem nenhum compromisso com a realidade.
“O que a novela O Outro Lado do Paraíso quer mostrar com o desenvolvimento da trama da personagem Laura é o processo pelo qual passa uma pessoa que precisa de ajuda, recorrendo a diferentes e variadas formas de apoio e terapias, das mais às menos ortodoxas”, argumentam a emissora em nota enviada à imprensa.
Porém, para o CFP, é impossível ignorar a responsabilidade da emissora, já que “as telenovelas frequentemente buscam elevar a audiência ao embaralhar as barreiras do ficcional e do real, entre outras formas, introduzindo nas tramas fatos e temas candentes da sociedade.”
O CFP ressalta que a saúde mental deve ser levada a sério e que pessoas em sofrimento psíquico devem procurar os psicólogos, que são os profissionais credenciados para esse tipo de tratamento.
http://www.huffpostbrasil.com/2018/02/07/por-que-o-coaching-nao-e-tratamento-para-traumas-psicologicos-como-em-o-outro-lado-do-paraiso_a_23355562/?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004